Tempos Passados

O papel desse papel é registrar. Ou seria um apelo? Provavelmente um desabafo. A sua utilidade humana está justamente no motivo que muitos já devem ter passado pelo que contarei.
Há muito tempo eu fiz diversas amizades. E pensando bem já as perdi faz tempo também. Parece que não existiram. Mas uma amizade foi marcante. É como se tivesse sido escrita com sangue em meu peito. Talvez eu nunca a esqueça. E a outra parte, será que esqueceu? Isso não importa. O tempo que foi vivido nunca morrerá. Pode-se apagar de nossas memórias, mas aquele momento eu tenho certeza de que está vivo. Como morreria?
Era uma tarde calorosa. Dois jovens amigos se encontravam para expressar alguma coisa. Um cantava, o outro tocava violão. Naquele tempo eu ainda achava que poderia cantar, que minha voz servia para alguma coisa. Ser um astro da música. Hoje me conformo, penso mais baixo. Nem narrador de futebol almejo mais. A minha voz é no silêncio. Mas antigamente ele acreditava em mim, o pior é isso. Tem coisa pior do que ser péssimo, mas vem um desgraçado e confia em você? Não tem. Mas como ele confiava em mim, eu cantava. Bom, eu ainda acredito que ele tinha, e ainda tem – se estiver vivo – talento. Estávamos juntos. Ele tinha começado a dedilhar no violão, o som era interessante. Eu, hipnotizado pela música, pelo desejo, pelo desespero em ser bom em alguma coisa, comecei a versejar. E foi assim que criamos nossa primeira e única música. Eu ainda sei tudo decorado, mas tenho certeza que nunca a cantarei. Agora sonho é com outras coisas...ser escritor. Ter voz no silêncio das letras. Mas naquela tarde, cantei, e ele tocou. Éramos unidos. Foi fascinante mesmo. Aquele tinha sido o primeiro e último ensaio de nossa banda, a primeira e última música. É, depois daquele não sei porque não continuamos. Talvez seja porque eu parei de acreditar em mim. Confesso que não sei. A vontade de cantar diminuiu, até que eu pensei que sumiria. Mas não sumiu. Ao escutar alguma música me vejo no palco, cantando, e ao meu lado visualizo o rapaz do violão, guitarra, o cara do instrumento de corda. E é sempre o mesmo. O mesmo que ensaiou comigo uma vez.
Não nós vemos mais. Talvez nunca mais sejamos amigos como antes. Mas sinceramente, não me importo. Não foi em vão. Aquele momento vai ficar marcado em mim, nele, no local onde ensaiamos, na rua, no bairro, no mundo. Naquele dia fomos músicos.
Hoje tento ser escritor. Ele não sei o que tenta...Talvez nem tente mais, já seja. Será que ele espera o mesmo de mim?