Eles, ele

Bom, eu já tinha postado esse texto em outro blog, mas como ele está morto, colocarei aqui. O Carlinhos estava curioso a respeito desse pequeno escrito, e como a maioria aqui acho que não leu, vai ser válido. Não sei a Emily já leu, mas acho que ela terá satisfação em ler novamente. Obrigado pela atenção.

Era um homem de barba crescida, cabelos crespos e pele escura. Eu o via sempre. Toda vida que estava indo ao trabalho. Passava na pracinha, e lá estava ele. A mesma roupa todo dia, provavelmente morava ali. E tinha uma coisa estranha, sabe. Peculiar dele. O rapaz ficava andando em círculos, e declamava poemas, monologava. Era uma coisa muito interessante...
- Psssssssssssssssssssssssiu.
Nem começou ainda.
Um dia ele declamava Patativa, noutro Charles Baudelaire, e por ai vai. Depois de alguns meses, ele parou com a poesia. De longe dava para perceber que tinha algo de estranho. Sabe, eu olhava e via que não era ele! Todo dia mudava de personagem. Se eu soubesse teria puxado assunto com a figura há tempos. Dava bom dia, perguntava como ia. O cara não comia bem, não tomava banho, morava ali mesmo, mas todo dia era sempre a mesma resposta:
- Tudo ótimo, senhor. E abaixava o olhar, andava alguns metros e voltava a andar em círculos.
Que poesia ele declamava?
- As asas da minh’alma estão abertas! Podes te agasalhar no meu Carinho, Abrigar-te dos frios no meu Ninho!
- Incrível! Como tu conheceu Cruz & Sousa?
- Conhecestes, senhor.
E voltava a circular pela praça.
- Psssssssssssssssssssssssssssssssssiu!
Povo enfezado. Um dia tentei alimentá-lo, mas ele negou. Abaixava o olhar. Eu não sou um ótimo entendedor de teatro, mas sei de algumas coisas. E os personagens, falas, que ouvia ele interpretar não eram conhecidos por mim. Muito provavelmente eram inventados.
- O que aconteceu com ele, pai?
- Psssssssssssssssssssssssssssssssiu.
A pergunta seria outra. Olha, começou. Espia ali, aquele barbudo no palco. Tá vendo? Os cabelos crespos. A pergunta seria: - como ele veio parar aqui? Mas depois eu conto, as pessoas já estão reclamando.
- Psssssssssssssssssssssssssssssssssiu.



Hermes Veras.