quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Dois algodões

Inspirado pelo Carlinhos, com essa mania de fazer séries, vou fazer uma série intitulada de: Tá tudo errado. Serão crônicas (contos?) com esse tema, de reclamação, indignação, e geralmente, conformada. Talvez o intuito seja apenas relatar, com o intuito menos revolucionário do que reflexivo. Sei que é muito complicado começar uma série depois de tanto tempo sem postar, mas obrigado po quem ainda continua visitando o meu blog, é muito especial para mim.



O morto tinha um aspecto calmo. O olhar inexistente, e dois algodões que lembram o céu ( espiritual?) fincados no nariz, que dão uma aparência inegável: era mesmo um morto. Na verdade, não precisaria dessa descrição toda se eu simplesmente tivesse dito que estava em um velório. Obviamente não é de um conhecido meu, pois jamais conseguiria escrever nesse estado de perca, apesar da escrita ser a busca pelo que falta.
Esse morto, em vida, porém já moribundo, sonhava com a morte. A mulher chorando copiosamente, os filhos desamparados sem saber se era verdade. A outra, vindo bem depois para chamá-lo de canalha. Será que chovia?
Não vejo ninguém chorar. A mulher fala copiosamente no celular, procurando se informar se poderia pagar parcelado, como seria o processo de translado. Logo eu entendia que o morto não era daqui de Fortaleza e sim de Juazeiro. Seria comido pela terra natal. Burocracia. É, meu amigo morto, a morte é burocrata. A esposa não tem tempo para se lamentar, primeiro é necessário saber como se livrar do seu corpo. A outra nem veio, ou talvez ela nem existisse. Afinal, conjecturei que os filhos estariam no velório, e não estavam. Talvez não tivesse nenhum, o mais provável é que estivessem em Juazeiro. Muitas dúvidas, não procurarei respostas.
Lágrimas caminhando morosamente, como uma pendência judicial, em meu rosto. Olho esquerdo, apenas. Chorando. Eu chorara, mas a sua esposa não. Complicado, sim. Tive pena do morto. Mas ele teria um consolo, no enterro, dias depois, a esposa teve tempo para sofrer a morte do morto. Se despediu sem medo, fez até barulho. E os filhos, se existirem, estariam desamparados. Também, a parcela era graúda...durou por seis meses. A morte é doída para quem fica...

7 comentários:

Anônimo disse...

Esse clima de velório é muito pesado para se estar, e se você esteve/estivesse lá, realmente teve mais pesar do que os próprios familiares, pelo sentido de observação apurado de quem escreve, ou simplesmente atenta às coisas. Esse fim deixa a gente em dúvida se a dor é pelas parcelas a serem pagas, ou pela falta que o homem faria em suas vidas. A parte de "a outra, vindo bem depois para chamá-lo de canalha" quebra esse clima fúnebre e me fez rir um pouco.

CA Ribeiro Neto disse...

O final eu também não entendi se era a parcela do que foi gasto no velório/enterro/translado ou se era a parcela de cada na herança do defunto. Enfim, mas essa ambiguidade é que ficou massa!

O texto está muito bom! E a série também! hehehehehehehehehehehe

Abraço

Thiago César disse...

pra mim parece mais conto q cronica!
e um conto pequeno e massa, q sao os melhores, diga-se de passagem!

Paulo Henrique Passos disse...

Num é irônico não, só um pouquim!

"É, meu amigo morto, a morte é burocrata". Essa foi a parte em que eu mais senti a revolta.

Abraço,cara.

Thiago César disse...

nova integrante do Blogs de Quinta!

Thayanne Freitas
http://sentimentoletrado.blogspot.com

CA Ribeiro Neto disse...

Hermes,

Adicione-a, por favor. Caso queira ver a lista atualizada, você pode encontrá-la na comunidade do Blogs de Quinta.

Unknown disse...

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